Em alguns casos, a internet das coisas é simplesmente
uma expressão da moda que as empresas usam para vender tudo o que já têm
há muito tempo
Galen Gruman*
25 de novembro de 2014 - 15h56
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Vá a uma conferência e alguém, muito provavelmente, tentará lhe
empurrar/vender o conceito da Internet das Coisas (Internet of Things ou
IoT). No entanto, a IoT não envolve necessariamente a internet e, às
vezes, as coisas nem sequer estão nela.
Os dispositivos móveis, o computador, o carro, os aparelhos diversos e
muito mais serão em breve apanhados na onda da IoT. Mas o que isso
significa tanto no âmbito empresarial quanto no pessoal, incluindo quem
está a apostar nos maiores desenvolvimentos neste domínio?
Em alguns casos, a internet das coisas é simplesmente uma expressão
da moda que as empresas usam para vender tudo o que já têm há muito
tempo – tal como sucedeu com a cloud, o “green”, o e-qualquercoisa ou o
rótulo da mobilidade. Mas há uma diferença: a IoT tem um significado
real, que é útil entender, dado que vai afetar quase todos os cantos das
TI e da tecnologia de consumo.
Na sua essência, a IoT significa apenas um ambiente que reúne
informações de vários dispositivos (computadores, veículos, smartphones,
semáforos, e quase qualquer coisa com um sensor) e de aplicações
(qualquer coisa desde uma aplicação de mídia social como o Twitter a uma
plataforma de comércio eletrônico, de um sistema de produção a um
sistema de controlo de tráfego).
Basicamente, são precisos dados e meios para lhes aceder – que é de
onde surge o rótulo de “Internet”, embora, naturalmente, não seja
necessária a própria internet, ou até mesmo uma ligação “always-on” de
rede.
A internet pode ser a espinha dorsal de uma IoT, mas não é o único
osso naquele corpo, pois é preciso algo que trabalhe essas informações
para as analisar, agir sobre elas, ou de qualquer forma processá-las.
Isso é normalmente feito por software, seja automatizado,
semi-automático ou controlado por humanos.
A trama da IoT
A IoT torna-se interessante quando se combinam informações de
dispositivos e de outros sistemas de forma inédita, entrando nos enormes
recursos de processamento disponíveis hoje para fazer os tipos de
análise expansiva geralmente associada com o conceito de big data – ou
seja, a análise de dados não necessariamente concebidos para serem
analisados em conjunto.
Caso contrário, está-se a falar de redes de sensores e de redes
máquina-a-máquina (M2M), comuns em fábricas, hospitais, armazéns e até
mesmo nas ruas (como o sistema de iluminação urbano), ou sistemas de
produtos conectados à rede (como um sistema de entretenimento Apple TV, o
aparelho de som Bluetooth no carro, ou as caixas eletrônicas de
pagamento alguns varejistas) – úteis, mas não necessariamente novos.
Para alcançar a noção da IoT, é preciso ter “mais” das seguintes peças encaixadas:
- conectividade de rede, que normalmente é sem fios;
- sensores e/ou entradas pelo utilizador de captura ou geração de dados;
- capacidades computacionais, no dispositivo e/ou no “back end”.
É “mais” porque se pode ter uma abordagem de conectividade
“store-and-forward”, como ligar um dispositivo a uma porta USB de um
computador. A lógica “store-and-forward” é essencial em qualquer caso,
porque a conectividade não é omnipresente, pelo que é precisa uma forma
de enviar os dados registados quando se está offline. Isso é uma
característica da Internet, que foi inicialmente concebida para permitir
a comunicação mesmo após uma guerra nuclear, através do
“store-and-forward” e redirecionamento automático.
Colocar as coisas na IoT
São precisas coisas, mas elas não necessitam de ser itens
independentes, como impressoras ou telefones ou um par de tênis. Uma
coisa na IoT pode ser simplesmente informação de estado, como onde se
está ou a meteorologia num determinado local ou a temperatura do motor –
que podem ser recolhidas através de um dispositivo generalista, como um
computador ou um smartphone. Por outras palavras, a coisa em si não
precisa de estar na IoT, embora os dados sobre ela devam estar.
E é preciso um propósito para ter todos estes dispositivos
conectados. Existem milhares de possíveis objetivos – talvez milhões. É
por isso que a IoT não é uma coisa, mas um conceito que pode ser
aplicado a todos os tipos de coisas. Na maioria dos casos, estes efeitos
são expressos por meio de aplicações ou de serviços – seja a nível
local, baseados em cloud ou num centro de dados, ou uma combinação de
qualquer um ou de todos eles.
Nalguns casos, os serviços filtram grandes quantidades de dados, o
que o Hadoop e outras tecnologias de Big Data em combinação com serviços
de nuvem tornam agora possível. Mas uma IoT não tem que envolver Big
Data – também há utilizações de poucos dados, como uma rede de sensores
em estradas para detectar químicos e armas nucleares que está sempre a
monitorizar mas a transmitir apenas quando é detectada uma anomalia.
Combine-se essa rede de sensores com os sistemas de gestão de tráfego,
sinalização rodoviária eletrônica e até avisos de emergência nas
notícias, e assim por diante, e teremos uma IoT de segurança pública.
A sua versatilidade é o que abre muitas possibilidades à IoT. Por
exemplo, executar uma aplicação como o Foursquare ou o Google Now, que
monitorizam a localização do utilizador, leva a um conjunto existente de
dispositivos (smartphones), dos seus sensores (dados de localização), e
da sua conectividade de rede para agregar informações num centro de
dados algures na nuvem, que usa essas informações para, neste caso,
entregar anúncios e estudos de mercado. É um exemplo de como a IoT pode
ser simplesmente uma aplicação aproveitando um actual ambiente
conectado.
Mas uma IoT pode ter mais propósitos, como os dispositivos que se
ligam ao computador do carro para transmitir leituras de dados do motor,
da velocidade e outras para a sua seguradora (uma má ideia…) ou para o
seu smartphone (uma ideia melhor). No seu nível mais básico, isto é
apenas uma rede de sensores no seu carro ligada a um transmissor
central. Mas a diferença da IoT é que alguns desses dados podem ir parar
às agências governamentais e privadas que monitorizam o tráfego,
fornecendo dados de viagem em tempo real para aumentar o que recolhem
através de sensores nas estradas e de câmaras nas auto-estradas.
Dois (ou mais) é melhor do que um
Uma IoT pode permitir usos híbridos. No exemplo do carro, vários
serviços podem pegar em pedaços dos dados dos automóveis e das viagens
para tudo, desde a gestão do tráfego ao ajuste dos prêmios de seguro,
dos diagnósticos de mecânica à prioridade nas reparações de estradas.
Como outro exemplo híbrido, pense-se em todos os sensores de saúde
disponíveis, como o Fitbit e o Nike+ para a gestão da saúde pessoal, ou o
monitor de pressão arterial Worthings ou o monitor de glicose AgaMatrix
para acompanhamento médico.
Os usos pessoais expandem as capacidades do mundo móvel conectado com
novos sensores que enviam dados para uma aplicação na nuvem. Mas os
médicos podem expandir esse mesmo mundo móvel conectado ao enviá-lo para
um sistema de registos eletrônicos de saúde (“electronic health
records” ou EHR) de um prestador de serviços médicos. É ainda possível
que os dois tipos de sensores de saúde se possam cruzar, com os dados
Fitbit também a irem para o EHR e um sensor prescrito pelo seu médico
também a ser encaminhado para o seu cofre pessoal de saúde – com cada
subconjunto de dados a servir múltiplos propósitos.
Esta noção de múltiplas finalidades é provavelmente a melhor razão
para usar o termo “Internet das Coisas”, quando a Internet é mais do que
uma rede resistente para ser um canal para qualquer combinação e
coleção de atividades digitais. A Internet começou como uma forma de o
governo comunicar após uma guerra nuclear, mas evoluiu para ser muito
mais do que uma rede. De muitas maneiras, a Internet tornou-se um mundo
digital que tem ligações ao nosso mundo físico. A IoT eleva esse
conceito para o próximo nível, permitindo que vários mundos – alguns
ligados a outros, outros não – juntem o físico e o digital de todos os
tipos de formas.
*Galen Gruman, editor executivo do InfoWorld.