Um projeto de lei apresentado pelo deputado Eros
Biondini (PTB-MG) esta semana pode fazer as agências reguladoras mudarem
completamente a forma como propõem, discutem e aprovam seus
regulamentos e atos normativos. O
projeto do deputado (PL 1.539/2015) obriga
as agências reguladoras no âmbito da administração federal a realizarem
obrigatoriamente Análise de Impacto Regulatório (AIR) em todos os atos
normativos, planos setoriais e edição, alteração e prorrogação de
outorgas. Mas não é um projeto que simplesmente determina a aplicação
desta metodologia. Em seus 36 artigos, o projeto detalha minuciosamente
todas as etapas que precisarão ser seguidas pelas agências, sob pena de
nulidade da regulamentação. É, na prática, um regulamento geral para as
agências reguladoras. O projeto tramitará, provavelmente, nas comissões
de Ciência, Tecnologia e Comunicação (CCTCI) e na Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE), além de passar pela análise da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ).
A Análise de Impacto Regulatório é, em essência, a análise prévia de
custos e benefícios sociais e econômicos de cada medida regulatória
proposta. Alguns países, como o México e Chile, bem como reguladores
como a FCC norte-americana, têm essa prática bastante consolidada, ainda
que nem sempre de forma obrigatória.
O projeto afeta diretamente a Anatel (telecomunicações) e também
agências como Ancine (cinema e audiovisual), Aneel (energia), ANP
(petróleo e gás), ANS (saúde), Anvisa (vigilância sanitária), ANTT e
Antaq (transporte terrestre e aquaviário, respectivamente), ANAC
(aviação civil) e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), bem como
outras agências reguladoras definidas por lei ou por decreto. O projeto
não deixa claro se isso incluiria o Banco Central, por exemplo.
Outro aspecto importante é que o projeto dá grandes poderes à
Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE),
que terá poder de escrutínio e validação sobre todos estudos de Análise
de Impacto Regulatório e, depois, acompanhamento das medidas. Pela
proposta, as etapas de elaboração da análise de impacto só podem ser
dispensadas por determinação expressa do ministério a que a respectiva
agência estiver vinculada e, mesmo assim, em casos excepcionais.
Definição e objetivos
O primeiro aspecto importante do projeto é a definição do que é
Análise de Impacto Regulatório. Segundo o texto, trata-se do
"procedimento administrativo de observância obrigatória, voltado a
subsidiar e orientar a tomada de decisões regulatórias pelas Agências
Reguladoras, bem como permitir o monitoramento de sua implementação,
baseado no uso sistemático de analise econômica dos custos, benefícios e
dos possíveis efeitos de uma determinada decisão regulatória, tendo em
consideração os objetivos a serem perseguidos em cada setor regulado".
O texto do projeto dispensa a aplicação da Análise de Impacto
Regulatório em atos administrativos voltados a situações específicas e
individualizadas, como expedição de autorizações e licenças, e atos de
organização interna que não criem direitos e deveres a terceiros.
Os objetivos da AIR, segundo o projeto, são orientar e subsidiar o
processo de tomada de decisão pelas agências, medir as potenciais
consequências de uma iniciativa regulatória, propiciar maior eficiência e
eficácia das decisões regulatórias; propiciar "maior coerência e
qualidade da política regulatória" e dar transparência ao processo de
regulação, além de permitir o monitoramento e controle do processo de
tomada de decisões regulatórias pelos agentes regulados e pela sociedade
civil.
Análise com as empresas
Um dos aspectos mais importantes do projeto é a necessidade de que se
criem grupos de trabalho multidisciplinares para proceder a Análise de
Impacto Regulatório, caso a caso. Esses grupo deverão contar
obrigatoriamente com "profissionais habilitados a atuar nas diversas
áreas atinentes à matéria envolvida em cada caso", não ficando claro se
apenas técnicos de carreira das agências bastariam para isso. Esses
grupo poderão ainda contar com "o auxílio de especialistas nas áreas
técnica, científica, econômica e jurídica, a serem contratados por prazo
determinado".
A Análise de Impacto Regulatório, pela proposta feita, prevê várias
etapas a serem cumpridas pelas agências. Desde a definição do problema e
dos objetivos até a emissão do relatório final, tudo isso passando por
chamamentos e consultas públicas, análises de alternativas e validação
de dados. Feito tudo isso, a Secretaria de Acompanhamento Econômico terá
a responsabilidade de realizar o "escrutínio e parecer de validação"
dos relatório e depois monitorar a alternativa adotada, juntamente com a
respectiva agência. Ao todo, são no mínimo oito etapas antes que um
regulamento seja adotado. O texto do Projeto de Lei não especifica, mas
aparentemente o processo de AIR substitui inteiramente os procedimentos
de consulta pública hoje adotados pelas agências.
Além da necessidade de definição prévia dos problemas e objetivos, o
projeto de lei prevê que as alternativas sejam todas analisadas à luz
dos custos e benefícios em diferentes esferas da sociedade, bem como a
eficácia dos procedimentos propostos. Caso as medidas propostas não
surjam efeito, a regulamentação deve ser revista.
Segundo o texto, "a partir do monitoramento da medida regulatória, de
modo a ajustar eventuais impactos não desejados, poderão resultar
sugestões de sua alteração ou revogação, nas hipóteses em que se
verificar que os benefícios sociais da medida não superam os custos de
sua adoção. Todas as etapas do processo de AIR devem ser públicas e os
documentos disponibilizados.
Histórico
Vale lembrar que o tema não é novo no âmbito das agências reguladoras
brasileiras. Algumas delas, como ANTT e Anvisa, já adotam plenamente
procedimentos que podem ser entendidos como Análise de Impacto
Regulatório. A partir de 2007, a Casa Civil (então sob o comando da
presidenta Dilma Rousseff) e o Ministério do Planejamento estabeleceram o
Pro-Reg, programa que
buscava estabelecer um padrão de operação das agências reguladoras,
inclusive por meio de AIR. Outras agências, como Ancine, têm na sua
regulamentação a determinação de que estes estudos sejam feitos
previamente, e a Anatel, por exemplo, tem legalmente a obrigação de
justificar suas decisões e atos. O que o PL 1.539/2015 do deputado Eros
Biondini faz é estabelecer um detalhado processo que deve ser seguido,
etapa a etapa. Do ponto de vista do regulador, trata-se de uma
metodologia bastante rígida que exige um grande trabalho de estudos e
análises prévios. Por essa razão o trabalho do Pro-Reg acabou não
disseminando de maneira uniforme essa cultura junto às agências, que em
muitos casos sequer têm estrutura suficiente para realizar esse tipo de
análise.
Do pondo de vista dos setores regulados, a aplicação do método de AIR
é uma forma de evitar a imprevisibilidade e o chamado custo
regulatório, decorrente de regulação excessiva ou pouco eficiente.
Academicamente, a principal crítica ao processo de AIR é a ênfase
demasiadamente econômica nas análises e a dificuldade de avaliar os
custos e benefícios sociais intangíveis.