Como as demais operadoras de telecom que pretendem disputar as frequências da faixa de 700 MHz,
a Telefônica Vivo gostaria de ter mais tempo para formular o plano de
negócios depois de conhecer os resultados dos testes de interferência do
serviço de telefonia móvel na TV digital e vice-versa. “Como isso não
foi possível, teremos que fazer paralelamente”, disse o presidente da
empresa, Antonio Carlos Valente.
Nesta entrevista ao Tele.Síntese, além do leilão da faixa de 700 MHz,
cuja modelagem considerou justa para com as operadoras regionais
existentes no país, Valente fala também sobre os ensinamentos do projeto
que a Telefônica Vivo está desenvolvendo na cidade de Águas de São
Pedro, no estado de São Paulo. Os resultados da modernização da rede
fixa na cidade – que passou a ser uma solução mista de fibra óptica e
acesso em par de cobre com
VDSL –,
da concentração das redes fixa e móvel em um único site e da oferta de
novos serviços digitais – de serviços de educação à iluminação pública
inteligente –, trazem um novo cenário. Este cenário, em sua avaliação,
contém elementos que precisam ser objetos de reflexão no debate da
renovação dos contratos de concessão no marco de 2015.
Entre esses elementos ele destaca os parâmetros de qualidade e a
questão da reversibilidade de bens, que vão se tornar ociosas com a
modernização da
rede fixa.
Valente entende que o projeto de Águas de São Pedro, feito em parceria
estreita com a prefeitura do balneário de três mil habitantes, pode se
transformar em um laboratório importante para o desenvolvimento de
políticas públicas de digitalização dos serviços oferecidos ao cidadão.
Tele.Síntese – O
Conselho Diretor da Anatel aprovou, dia 10, a modelagem do leilão das
frequências de 700 MHz. Embora o preço ainda não tenha sido divulgado,
qual a sua avaliação preliminar?
Antonio Carlos Valente – Eu sempre
digo que, para um operador de serviço móvel, espectro é oxigênio,
especialmente quando o tráfego de dados não para de crescer. As
frequências que temos de 4G são muito altas e, apesar de ter a virtude
de concentração de tráfego, há dificuldades para cobertura. Então, é
muito bom que a
Anatel coloque
novas frequências em leilão. Ainda não foi possível avaliar todos os
aspectos do edital em profundidade. O importante para podermos fazer uma
boa proposta é ter acesso a todas as informações de caráter técnico:
quais são as eventuais interferências já identificadas, quais as
técnicas de mitigação, qual o volume de canais a serem remanejados, onde
estão (esta parece uma questão trivial, mas não é, pois nem sempre
transmitem apenas nas localidades onde foram autorizados). Dependendo
das informações que tiver, você pode ou não fazer uma boa proposta.
Tele.Síntese – Que outras informações são estratégicas?
Valente – A questão da localização e dos prazos de
liberação dos canais hoje utilizados, além das questões relacionadas às
interferências, é fundamental. Um exemplo que eu sempre dou e que é
trivial: um plano de negócios vai chegar a um resultado se essas
frequências puderem ser utilizadas em 2015, e vai ser um outro plano de
negócios se estiverem disponíveis em São Paulo em 2025. Assim, tão
importante quanto a base cadastral, é fundamental saber em que momento
vamos ter a limpeza do canal feita. Não posso empurrar a emissora para
fora da faixa. Ela vai ter que sair, e eu preciso saber quando isso vai
acontecer.
Tele.Síntese – Como vê a divisão dos blocos de frequência e a dinâmica proposta para o leilão?
Valente – A largura de espectro usando o modelo APT
de certa forma leva a essa possibilidade de 40 MHz mais 40 MHz. Além
disso, existe uma questão prática: nós temos operadores regionais, e não
seria justo que o modelo não permitisse a esses operadores regionais
pelo menos a oportunidade de apresentar suas propostas. Com isso,
certamente, o leilão vai ficar mais disputado, porque existem quatro
operadores nacionais e no início teremos três blocos nacionais.
Tele.Síntese – Frente à
aprovação da Anatel do edital do leilão, ainda há espaço para o pleito
de adiamento apresentado por radiodifusores e operadoras?
Valente – Todos nós temos interesse em que o leilão
seja bem-sucedido e que as frequências sejam utilizadas no menor prazo
possível. A preocupação manifestada, especialmente pela Abert, de que
houvesse uma precedência de apresentação de resultados dos testes
técnicos, e posterior publicação do edital, permitiria que o edital
considerasse algumas questões que vão resultar dos testes. Como isso não
foi possível, terá de ser feito simultaneamente, mas entendo que, se
surgirem questões relevantes, serão consideradas durante o processo de
consulta pública.
Tele.Síntese – A Telefônica Vivo já está se preparando para o leilão?
Valente – A partir de agora cada empresa vai tratar
da sua vida. Muitas informações não serão mais compartilhadas porque
cada operadora estará olhando seu plano de negócio. Como no leilão do
2,5 GHz, já constituímos um grupo de trabalho interno, já contratamos
assessoria e vamos fazer o melhor plano de negócios possível. O prazo de
agosto poderia ser um pouco mais para a frente? Certamente poderia ser
mais tranquilo, mas foi mantido e vamos estar lá no leilão.
Tele.Síntese – Você acredita na possibilidade de um novo entrante?
Valente – Há sempre a possibilidade conceitual, mas
você entrar num mercado como o último operador é muito difícil, é sempre
mais complexo. As experiências internacionais provam isso e temos
experiências nacionais, a Telefônica Vivo é o maior operador nacional e
fomos os últimos a chegar ao Nordeste. A nossa vida no Nordeste é muito
difícil, embora sejamos uma empresa consolidada e com muita experiência.
Assim, acho que entrar como último operador, quando tem competidores
fortes, é muito complicado.
Tele.Síntese – Hoje a
Telefônica Vivo inaugurou um projeto de cidade totalmente digital no
Estado de São Paulo, em Águas de São Pedro. Com isso, vocês querem
desenvolver uma prova de conceito. Onde querem chegar?
Valente – Acho que os benefícios de um projeto como o
de Águas de São Pedro tem múltiplas dimensões. Sem dúvida, entre elas,
as soluções de engenharia. Nós fomos conhecer experiências de vários
países. Mas o Brasil tem suas particularidades, com problemas
específicos em relação ao suprimento de energia, à segurança de
instalações. A parte de operação também é importante; operação de campo,
provisionamento, de serviços dentro desse novo mundo. Como se faz o
back office? Como se recebe uma reclamação? Como se faz a conexão de
usuários que ainda estão no mundo antigo nessa nova rede: de um telefone
público, de um DDR analógico, de um cliente que usa X25. Além das
questões operacionais, temos as comerciais: como se montam novos
produtos capazes de interessar ao cliente e gerar valor. Por último, tem
uma série de questões de caráter institucional e regulatório. Com um
movimento desse tipo, a gente muda muito a possibilidade de atuação de
uma prefeitura como a de Águas de São Pedro, que passa a ter um conjunto
de instrumentos à sua disposição, que precisam ser bem avaliados.
Dentro do campo regulatório, há uma questão relacionada com a
modernização das redes. Hoje estamos em um processo de discussão da
renovação dos contratos de concessão, no marco de 2015. Muitas
constatações podem ser obtidas de um projeto como esse para contribuir
com um avanço considerável dentro do contrato e, muito especialmente,
dos regulamentos que balizam o contrato.
Tele.Síntese – Essas
constatações decorrentes dessa experiência deveriam levar a uma
ampliação do escopo do debate da renovação dos contratos de concessão?
Valente – Sim. Tanto que na contribuição da consulta
pública sugerimos que fossem aguardados os resultados que estavam
próximos. Entre as questões que precisam ser refletidas à luz desses
resultados estão a dos bens reversíveis e as da qualidade. Falar de
indicadores de qualidade numa rede dessa é falar de outra coisa. Tem que
se estar focado na questão da banda larga, dos aplicativos. Se não
tiver um arcabouço regulatório que contemple a figura da convergência,
estaremos voltados para a situação do passado. Tem ainda a questão da
integração entre plataformas, aplicativos e infraestrutura, a oferta de
outros serviços, VoIP. Hoje temos os parâmetros de qualidade de voz
construídos dentro do mundo dos circuitos, no mundo de VoIP é outra
coisa, pois está ligado à rede elétrica, tem picos de tensão. Isso é
ruim? Não, é bom. Se quisermos manter as duas redes, ficará cada vez
mais difícil fazer o projeto de convergência. Num projeto como o de
Águas de São Pedro é muito abrangente o volume de informações que se
começa a coletar.
Tele.Síntese – Qual é a questão em relação aos bens reversíveis?
Valente – Com a reconfiguração da rede, a velha
central vai ser desativada, pois colocamos a rede fixa e a móvel num
único site, uma vez que distribuímos os assinantes em armários remotos.
Como aproveitar o ativo fixo? É um bem reversível à União, mas se
pudesse ser utilizado como investimento na modernização da rede poderia
acelerar o processo de oferecer melhores serviços, com mais velocidade
de banda ao cidadão. No caso de Águas de São Pedro, o valor do imóvel é
pequeno – o terreno vale algo em torno de R$ 50 mil e nós investimentos
no projeto R$ 2 milhões. Mas, em projetos maiores, esses ativos podem
contribuir efetivamente com os investimentos.
Tele.Síntese – Você mencionou que para desenvolver esse projeto a equipe fez muitas simulações. De que tipo?
Valente – Chegamos a perguntar se esse projeto
ficaria de pé caso fosse totalmente wireless. Hoje, ainda não dá para
fazer isso por razões técnicas e econômicas. No futuro, talvez se
consiga fazer e o processo de transformação seria muito mais radical.
Tele.Síntese – Esse projeto contempla um conjunto de serviços digitais que motivou a recente reestruturação da empresa em nível mundial…
Valente – A Telefônica começou a investir em
serviços digitais há cinco anos, quando criamos as verticais. Essas
verticais acabaram gerando uma unidade, que foi a Telefônica Digital que
ficava em Londres e, agora, na ultima reestruturação, foi incorporada
dentro da estrutura da empresa para que os serviços digitais façam parte
do seu portfólio do dia a dia. Dentro da ideia de que cada vez mais
temos de associar a conectividade de qualidade a produtos inovadores,
aplicativos. No caso do projeto de Águas de São Pedro, trabalhamos
dentro dessa linha desde o início, não era só um projeto de engenharia
mas também de operação, oferta e comercialização de serviços digitais.
Hoje, esses serviços ainda representam uma parcela pequena do
faturamento mas no futuro serão eles que vão garantir à empresa ter
melhor posicionamento estratégico, fidelidade de seus clientes e fazer o
link entre deixar de ser apenas uma empresa de conectividade para ser
um operador multisserviços.
Tele.Síntese – Qual o impacto da recente reestruturação da Telefónica no Brasil e na América Latina?
Valente – A reestruturação traz um processo de
agilidade na tomada de decisão porque eliminaram-se camadas
intermediárias quando as direções regionais América Latina e Europa
deixaram de existir. Isso acelera o contato das operações locais com o
núcleo da companhia. Estamos envolvidos numa serie de eixos
estratégicos, falamos sobre a criação de novos serviços digitais mas
estamos fortemente engajados no eixo estratégico da simplificação para
fazer mais coisas de forma mais simples e mais rápidas. Temos programas
mundiais de simplificação, redução do número de sistemas, do número de
produtos no portfólio.
Tele.Síntese – Quais os desafios que você vê no país daqui para a frente, do ponto de vista regulatório?
Valente – O primeiro grande desafio que temos, e não
só do setor de telecomunicações, é aumentar nossa capacidade de
produzir e entregar produtos e serviços demandados pela população que
passou por uma grande transformação nos últimos anos com o aumento da
renda e a forte expansão da classe média.
Tele.Síntese – Qual a
sua avaliação do texto do Marco Civil aprovado pela Câmara? Algumas das
solicitações das operadoras, como a guarda de logs, não foram
contempladas.
Valente – O texto aprovado na Câmara não é o texto
do sonho de nenhum dos segmentos envolvidos. Em uma sociedade
democrática, você tem que procurar conciliar posições divergentes. Muito
se falou sobre a questão da neutralidade mas o setor de
telecomunicações, ao longo de sua vida, no pós empresas privadas e mesmo
na sua fase estatal, não tem histórico de violação de neutralidade. Não
existe isso. Dito isso, o que a gente não pode é gerar nenhum tipo de
situação onde não se pense no cidadão, no cliente, que é beneficiado por
características de seu plano de serviços. Nosso entendimento é que no
texto aprovado essas questões foram minimizadas. Nosso entendimento é de
que o texto protege o cliente.