Por Redação Olhar Digital - em 31/01/2015 às 11h00
Resumo: Saiba por que a humanidade vai abolir automóveis não-autônomos
(Foto: reprodução)
Artigo escrito por Ricardo Longo, sócio-diretor da Onofre Consulting
Sinto
uma certa pena antecipada dos meus netos que ainda nem nasceram. Aposto
que eles nunca terão nem um resquício da mesma relação fascinante com
os carros que eu e umas três gerações antes de mim tiveram. Não é só o
prazer de dirigir, mas também todo o envolvimento emocional com os
automóveis, como por exemplo a sensação de conquista ao aprender a
guiar, a satisfação de comprar o pri-meiro carro com o próprio dinheiro
ou aquele "cheirinho de carro novo” que a gente sente algumas vezes ao
longo da vida.
Assim como minha filha de 9 anos não conse-gue imaginar um mundo sem
celular ou Inter-net, meus netos perguntarão abismados: “Vovô, como era
quando as pessoas que dirigiam os carros? Que estranho que devia
ser…” Digo isso porque eu aposto meu dedo mindinho da mão esquerda como
em 2040 (talvez bem an-tes) todos os veículos automotores serão
total-mente autônomos. Não será permitido a huma-nos controlar essas
máquinas perigosas em vias públicas. Simples assim. Será imposto por lei
em praticamente todos os países.
A Internet demorou somente 20 anos para nascer comercialmente em 1995
e se tornar o que é hoje. Isso porque não há leis que obri-guem seu uso
ou que proíbam a utilização de outros meios alternativos. No caso dos
auto-móveis, não somente o mercado (fabricantes e
consumidores) caminhará no sentido dos ve-ículos totalmente autônomos,
como também os governos e as autoridades irão impor isto à sociedade. A
transformação poderá ocorrer muito mais rápido do que se imagina.
O
Google e as grandes montadoras do mun-do já tem protótipos de carros
autônomos ro-dando por aí e a CES 2015, que ocorreu agora em janeiro,
foi invadida pelas marcas de auto-móvel apresentando seus projetos nessa
área. Esse tema começou muito depois, mas está evoluindo de maneira
muito mais acelerada que os carros elétricos e quando essas duas
tendências se unirem de maneira massificada (carros autônomos E
elétricos), a indústria au-tomobilística irá se misturar completamente
com a computação e a robótica. Não me sur-preenderia que na próxima
década teremos a Apple também entrando nesse mercado e lançando seu
iCar.
Confira abaixo 8 motivos pelos quais empresas e governos vão abolir os carros tradicionais:
1 - Segurança no trânsito
As pessoas não tiram carteira de motorista, tiram porte de arma. No
Brasil, mais pessoas morrem por acidente de trânsito do que por
homicídios ou câncer. Só perde para doenças circulatórias. São mais de
60 mil vítimas fa-tais por ano (dados de 2012). No mundo são 1,2 milhão
de mortes no trânsito em 12 mi-lhões de acidentes graves anualmente.
Sendo que mais de 95% dos acidentes são causados por irresponsabilidade,
imperícia, imprudên-cia e negligência.
Carros autônomos não sofrem de nenhum desses problemas e ainda
saberão se autodiagnosticar para detectar possíveis falhas me-cânicas.
Num mundo somente de carros autô-nomos não há acidentes de trânsito. E
ponto.
Por fim, fora o valor imensurável de uma única vida, quanto um país
ou cidade deixa de gastar quando não há mais acidentes
(resgate, poli-ciais, hospitais etc)? Estima-se que o custo dire-to
anual de acidentes de carro no mundo che-gue a US$230 bilhões.
2 - Congestionamentos
Quando todos os carros de uma cidade forem autônomos, não haverá mais
congestionamentos. Não somente os carros se auto-diri-gem muito melhor,
anteveem movimentos, não se distraem e conseguem otimizar total-mente
sua maneira de dirigir, como também (e o mais incrível) é que as ruas
poderão alte-rar de mão e novas rotas serem determinadas conforme a
necessidade do horário ou das circunstâncias, sem cones, placas ou
guardas de trânsito.
Muito fluxo subindo a 23 de Maio em direção ao Centro? O sistema de
trânsito da cidade coloca mais duas faixas da outra pista no sen-tido
contrário e avisa todos os carros. Voilá.
3 - Investimentos em vias públicas
Outra
grande vantagem dos automóveis au-tônomos é que as cidades e países
terão que investir muito menos em novas ruas, avenidas e estradas. Esses
recursos serão otimizados ao máximo de seu potencial e sobrará mais
di-nheiro para outras áreas como educação, saú-de, habitação, programas
sociais, etc. Alguns estudos indicam que a capacidade da estru-tura
viária de uma cidade é multiplicada por 15 quando todos os carros são
autônomos.
4 - Conforto e tempo liberado
Considerando uma média de 1 hora de dire-ção por dia, uma pessoa
gasta então 22,5 dias anualmente atrás do volante (considerando um dia
de 16hs acordado). Se não tivermos que dirigir para nos locomover,
ganhamos quase 1 mês inteiro no ano para fazer coisas muito mais
produtivas e prazeirosas.
Além disso, haverá muito mais conforto e es-paço dentro dos
automóveis que poderão ser construídos em formatos muito mais variados
do que os limites impostos hoje pela posição de dirigir do motorista e
todos os instrumen-tos que se utiliza para guiar o carro (pedais,
direção, controles etc). Já imaginou um carro onde você vá deitado em
uma espreguiçadei-ra ou reunido com a família numa mini-sala?
5 - Custos de produção
Hoje em dia carros autônomos são naturalmente bem mais caros que
carros normais. Afinal carregam uma parafernália tecnológica que gera e
processa 750Mb por segundo de informação. Mas isso irá se inverter. São
duas razões para isso. Primeiro, com o carro se transformando num
verdadeiro computador sobre rodas, ele passa a obedecer à Lei de Moo-re e
muito em breve toda a camada computacional de direção autônoma de um
carro terá um custo muito reduzido, tendendo a ficar tão insigni-ficante
quanto o custo dos amortecedores.
Em segundo lugar, carros que se dirigem sozinhos não terão muitos dos
custos de um carro normal como volante, pedais, seletor de marchas e
todos os outros controles, assim como podem ser construídos com níveis
de segurança passiva menores, já que não sofrerão acidentes num mun-do
dominado por eles.
6 - Imóveis e estacionamento
Em
Los Angeles há 3 vagas de estacionamento para cada carro e 60% de toda a
área de cidade é dedicada a estacionamentos. Por outro lado, em
Manhattan é muito difícil ou caro estacionar o carro. Em Londres e
várias outras cidades da Europa não há imóveis com garagem no centro e
em São Paulo, o novo Plano Diretor vai dificultar bastante a construção
de garagens em inúmeros bairros. Estacionar o carro é um problema tan-to
de escassez como de abundância.
Carros autônomos resolvem este problema
pois podem estacionar em qualquer lugar ou nem estacionar e ficar
andando por aí dependendo do local. É como um carro com um motorista
incansável. Num mundo assim, será alterada toda a lógica de especulação
imobiliária e muitos espaços e terrenos hoje dedicados a estacionamentos
poderão ser utilizados para outros fins, assim como haverá muito mais
liberdade para as pessoas morarem bem em locais sem vagas próximas.
7 - Meio ambiente e economia de energia
Nos EUA, 25% do orçamento de energia do país é voltado aos
automóveis. E muitos acre-ditam que os carros elétricos (não
necessa-riamente autônomos) são a grande salvação contra a poluição
causada pelos veículos em geral, mas em países com matriz de energia
elétrica “suja” baseada no carvão e outros combustíveis fósseis, os
ganhos são muito menores. Além disso, convenhamos que uma usina
hidroelétrica ou nuclear, apesar de lim-pas, exigem investimentos
colossais e causam grandes impactos na sua construção ou repre-sentam
um certo risco para a humanidade.
Nesse contexto, os self-driving cars terão um papel muito importante
pois representam uma enorme economia de energia nesta ma-triz,
independente de como foi gerada. Au-sência de trânsito, direção
otimizada, veículos mais leves, motores menores, enfim, todas as
características dos carros autônomos contribuem significativamente neste
sentido.
8 - Acessibilidade e independência
Muitas pessoas hoje no mundo dependem de outras pessoas ou são
obrigadas a utilizar transporte público quando querem se loco-mover
pelas cidades ou estradas. Idosos, defi-cientes visuais, deficientes
físicos, entre tantos outros públicos.
Só para se ter uma ideia da quantidade de pes-soas que podem ser
impactadas, segundo a OMS, há hoje no mundo 241 milhões de pes-soas com
75 anos ou mais. Em 2040 é espe-rado que esse número chegue a 525
milhões ou 5,8% da população esperada de 9 bilhões de pessoas. Também
segundo a OMS há hoje cerca de 285 milhões de deficientes visuais.
Com os carros autônomos isto não será mais uma limitação. Qualquer
pessoa, independen-te de sua condição física ou aptidão para dirigir
terá muito mais independência, agilidade e co-modidade para poder ir
aonde bem entender.
Algumas consequências importantes
A indústria automobilística é também conhecida como “a indústria das
indús-trias”. Não somente pelo seu tamanho e importância econômica, mas
também por todo o impacto e influência que tem sobre inú-meras áreas da
economia como commodities, energia, crédito, tecnologia etc.
E o advento dos carros autônomos terá um impacto ainda inimaginável
sobre esta indús-tria pois não se trata somente de uma nova
tecnologia ou tendência, mas sim de uma al-teração completa das leis
mercadológicas que regem esse mercado há quase 100 anos, des-de a
introdução da linha de montagem por Henry Ford.
Novos entrantes (ex: empresas de tecnologia), novos modelos de
negócio (talvez baseados em utilização e não em propriedade), uma
infinidade de novos nichos de mercado e ti-pos de produto, uma relação
nova do consu-midor com o automóvel. Tudo irá se alterar gerando grandes
desafios e enormes oportu-nidades para quem participa ou quer
partici-par desse jogo.
Somente para citar um exemplo, como fica a in-dústria de seguros de
automóveis nesse novo ce-nário? Num mundo sem acidentes ou roubos de
carro, para que serve o seguro de automóveis?
No transporte de cargas e logística, outra enorme revolução.
Veículos de carga autôno-mos de todos os tamanhos e formatos entre-gando
coisas pela cidade ou cruzando as es-tradas ininterruptamente sem a
necessidade do caminhoneiro parar para descansar.
Em relação ao transporte público, mais um mar de possibilidades. Como
um verdadeiro sistema vascular, veículos grandes trabalharão em
conjunto com veículos médios e pequenos ou até individuais, gerando
muito mais como-didade e capilaridade para a população.
Uma cidade de carros autônomos não obe-dece às mesmas leis de uma
cidade de hoje em dia, podendo inclusive ganhar configura-ções e
formatos totalmente diferentes. E essas transformações, em última
instância, deverão causar também impactos significativos na cul-tura e
em toda a sociedade.
Grandes mudanças, novos desafios
Exatamente por serem mudanças tão profundas é que há também enormes
de-safios a serem superados para que toda esta transmutação ocorra ao
nosso redor.
Para começar, como fica o parque de veículos não-autônomos? Quando a
sociedade defini-tivamente “virar a chave” e for proibido o seu uso,
haverá um kit de transformação? Virarão sucata? Peças de museu?
Há também o preconceito das pessoas por tudo aquilo que é novo ou
inédito. Era feio usar celular em lugar público e minha avó pode jurar
que microondas causa câncer. Como será o processo de adaptação e,
prin-cipalmente, de habituação das pessoas? Elas vão querer e aceitar
essa nova relação com os automóveis?
Um outro grande conjunto de desafios diz respeito às questões legais e
jurídicas disso tudo. Vamos supor que haja um atropelamen-to - será
extremamente raro mas pode haver. Nesse caso, de quem é a
responsabilidade ci-vil? Do dono do carro, do fabricante do carro, do
desenvolvedor do software, do Estado, do pedestre?
E ainda, como proteger carros autônomos de vírus e hackers? O que
acontecerá quando o software travar? Onde irão trabalhar todos aqueles
que ganham a vida dirigindo?
Certamente não são questões simples de se resolver e provavelmente
muitos novos desa-fios surgirão ao longo dos próximos anos. Mas com
certeza os benefícios para as pessoas e a sociedade como um todo são
muito maiores. Por causa disso posso afirmar que os carros autônomos
vieram para ficar e estarão total-mente adaptados em nossa sociedade
muito antes do que a gente possa imaginar.
Aí, se a minha neta quiser saber como era dirigir um carro
antigamente, levarei ela a uma pista de recreação para experimentar a
“adrenalina” de guiar o próprio carro. E ela provavelmente vai achar bem
entediante e me pedirá para levá-la para dirigir qualquer car-ro do
mundo em qualquer cidade do mundo no simulador que colocaram no
fliperama do Shopping.